segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA TUTELA PENAL DOS DIREITOS AUTORAIS

Segundo orienta o princípio da intervenção mínima, basilar do direito penal brasileiro, o poder incriminador do Estado deve limitar a sua atuação quando outros ramos do direito forem insuficientes para coibir a conduta socialmente inadequada.

Isso significa que o Estado deve esgotar todos os outros meios de controle social para a tutela do bem protegido, a fim de que possa encontrar respaldo à atuação do seu poder punitivo.

O direito penal deve ser a ultima ratio, assumindo feição subsidiária e fragmentária. Ou seja, deve ele se restringir a castigar as ações de significativa gravidade praticadas contra os bens jurídicos mais importantes.

No caso do art. 184 do CP, verifica-se desnecessária a incidência do tipo penal previsto para punição da conduta prevista.

A violação aos direitos autorais é um problema global que deve ser encarado sob o ponto de vista social. De certo que a reprodução e comercialização de produtos falsificados devem ser, de plano, combatidas.

No entanto, o Estado se vê longe da atuação mais coerente. Deixando a hipocrisia de lado, é fácil constatar que o próprio Estado atua numa posição que lhe permite ser apelidado de um dos maiores fomentadores da atividade tida como ilícita. Isso porque não é difícil encontrar diversos lugares onde artigos pirateados e contrabandeados são comercializados sem o menor pudor. Tal fato se tornou aceitável pela esmagadora parcela da população, consumidora assídua dos produtos, e o que é pior, deixou de ser coibido pelo próprio Estado. Diversos são os shoppings populares, autorizados pelo Estado, para comercialização de artigos ditos “populares”, mas que, na verdade, são uma grande feira de pirataria. Tudo o que se vende são materiais falsificados, sem notas fiscais. Para ser mais explícito, basta olhar, por exemplo, ao redor do fórum da cidade de Uberlândia e verificar-se-á diversos “camelódromos” nos quais são vendidos materiais pirateados.

Inclusive, a discussão acerca da ilegalidade da pirataria vêm sendo encarada sob outro ângulo. Segundo artigo publicado na Folha de São Paulo em 30/07/2006, de autoria do mestre Joaquim Falcão, membro do Conselho Nacional de Justiça, o problema da violação dos direitos autorais é uma questão econômica, muito mais do que uma necessidade de implementação legal.

O referido mestre aponta a incapacidade das empresas produzirem produtos compatíveis com o nível de renda do consumidor brasileiro, dentro da política financeira e tributária, como principal conseqüência da ilegalidade:

“(...) em vez de campanhas publicitárias milionárias, ações policiais e judiciais e da permanente intimidação moral do consumidor, as empresas deveriam investir para reduzir custos, aumentar a eficiência e adaptar seus modelos de produção à realidade dos países emergentes. O exemplo do computador legal é, pois, significativo. Há no fim do túnel uma saída mais inteligente do que a repressão legal e a intoxicação publicitária (...)”

Destarte, como punir penalmente o acusado, vendedor ambulante de CD’s falsificados, se os outros meios de repressão ainda não estão sendo utilizados com veemência? Não seria suficiente a contumaz atuação da Receita Federal e dos demais órgãos de fiscalização existentes?

Adequando-se a conduta do acusado aos referidos fatos sociais, é inadmissível a aplicação da sanção prevista no tipo penal. Ora, o mínimo de dois anos de reclusão, taxativo ao crime de violação de direitos autorais, é pena demasiadamente exagerada para o caso apurado na denúncia, mormente porque existem outros meios de eficaz combate à falsificação, tais como, apreensão das mercadorias e multa administrativa. 

O tipo penal ali previsto, deve incidir sobre os verdadeiros responsáveis pela reprodução e distribuição dos produtos pirateados, que almejam lucro imensurável e quase sempre são comandados por organizações criminosas.

O princípio da adequação social vem ganhando aceitação entre os doutrinadores penais, entre eles, Cezar Roberto Bitencourt, que nos ensina o verdadeiro objetivo da norma penal:

“o tipo penal implica uma seleção de comportamentos e, ao mesmo tempo, uma valoração (típico já é penalmente relevante). Contudo, também é verdade, certos comportamentos, em si mesmos típicos, carecem de relevância por serem correntes no meio social, pois, muitas vezes, há um descompasso entre as normas penais incriminadoras e o socialmente permitido ou tolerado.” (BITENCOUR, César Roberto. Tratado de Direito Penal, 8ª ed, Saraiva, 2003, p. 222)

Portanto, a tipicidade penal exige uma ofensa relevante aos bens jurídicos penalmente protegidos para que possa caracterizar suficientemente o injusto penal. É necessária uma análise do verdadeiro alcance proibitivo e uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta e a penalidade a ser imposta.

Por essa razão, o fato praticado pelo acusado deve ser coibido por outros meios de atuação do órgão estatal, mormente porque os seus antecedentes criminais não indicam outras condutas desabonadoras a merecer privação de sua liberdade de locomoção.

Em geral os acusados são pessoas simples ganhando a vida como camelôs ambulantes, talvez não por opção, mas porque o mundo do subemprego é a única coisa que ainda resta para se ganhar a vida.

Enfim, por não encontrar conduta penalmente relevante, em razão da existência de outros meios eficazes de coibição e punição, imprescindível se torna o afastamento da incidência da conduta típica descrita no art. 184, § 2º do CP.