quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Recurso Especial e Extraordinário - Breve Exposição e Crítica aos Absurdos da Revista Veja

A revista Veja, Edição 2021-ano 40-nº32 de 15 de agosto de 2007, cuja reportagem de capa é “A praga da Impunidade – Por que eles não vão presos” traz na página 72 uma relação de seis itens que revista chama de “nós que emperram a justiça”, dentre os quais diversas informações equivocadas são passadas e demonstram o baixíssimo conhecimento jurídico de seus jornalistas e consequentemente a baixa capacidade crítica do tema.


Porém um dos itens, o número cinco, me chamou maior atenção devido ao grau homérico da bobagem ali escrita. Transcrevo:

“5 – Nó do excesso de apelações


Os condenados capazes de pagar bons advogados conseguem apelar a três tribunais. Até a condenação em última instância, eles ficam em liberdade.”(grifei)

A meu ver, esta revista de forma irresponsável, torna as informações equivocadas, causando a falsa impressão no público leigo de que os cidadãos “comuns” ou de baixa renda não têm direito a recorrer aos Tribunais Superiores (STJ e STF) porque não são, como a revista diz, “capazes de pagar bons advogados” (como se o preço cobrado por um advogado, necessariamente o definisse como bom ou mal profissional.). Além disso, faz com que tal público forme a opinião que quaisquer casos podem ser objeto de recurso a Tribunal Superior. O leitor leigo com um caso particular tramitando perante o Judiciário passará a crer, baseando-se nesta reportagem, que se seu processo não passou pelas instâncias superiores é porque não exerceu seu direito à prestação jurisdicional com plenitude, que teve, em outras palavras, sua defesa prejudicada.

Isso porque, a revista, demonstrando total desconhecimento do assunto, refere-se aos recursos para Tribunais Superiores, também conhecidos por recursos extremos, (Recurso Especial para o STJ e Recurso Extraordinário para o STF) como Apelação, recurso este que, diferentemente dos recursos extremos, faz uma re-análise geral do processo, inclusive da matéria fática e probatória, ou seja, re-analisa até as provas produzidas perante a primeira instância. Por outro lado, os recursos extremos, para sua interposição, têm de cumprir requisitos específicos quais analisaremos adiante neste estudo, diferente da Apelação, que pode ser interposta livremente após a publicação da sentença de 1ª instância, dentro do prazo legal.

Não esclarece ao público leigo que o processo, na verdade, sofre um “afunilamento” no que se refere aos recursos extremos. Uma separação ou uma demanda simples por vício redibitório em um veículo, dificilmente ensejará matéria para a impetração de recursos extremos e levará o leigo, que num caso destes litiga, a pensar que seu direito à prestação judiciária é “menor” do que o daqueles que são alvos da reportagem.

Diante de tais falácias que, sem a menor vergonha, essa revista teve a coragem de publicar, sinto-me no dever de melhor esclarecer aos leitores, neste breve estudo que realizarei com meu modesto conhecimento, sobre os tais recursos aos Tribunais Superiores, quais têm, individualmente, sua finalidade própria, requisitos extremamente específicos, e que diferentes da Apelação, avaliam apenas matéria de direito.

Como qualquer profissional do Direito, tenho minhas críticas ao Poder Judiciário e certas legislações existentes, mas, formar opinião equivocada numa população que já é tão mal informada é sem dúvida uma grande irresponsabilidade desta imprensa.

Passo às Análises.

RECURSO ESPECIAL

O Recurso Especial é dirigido ao STJ e cabível apenas nas seguintes hipóteses, em que a decisão recorrida: (CF. art. 105, inciso III)

a) Contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhe vigência;


b) Julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal;

c) Der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro Tribunal.

E mais, ao fazê-lo, deve o recorrente demonstrar que a matéria já foi antes suscitada e decidida pela instância ordinária, como prova do preenchimento do requisito atinente ao prequestionamento. Na prática, esse prequestionamento quase sempre é feito através de embargos declaratórios à instância ordinária, pois o mesmo deverá ser extremamente claro e objetivo.

Deve o recorrente, ao interpor o recurso, indicar em qual das alíneas do inciso III do art. 105 da CF, encontra-se enquadrada a sua irresignação, demonstrando, ainda, que a matéria discutida no recurso já foi levantada em momento anterior e decidida pelo Órgão competente, tudo visando provar o preenchimento do requisito relativo ao prequestionamento anteriormente citado.

Em suma, o Recurso Especial visa seja pacificado dentro da federação o entendimento a ser dado sobre a interpretação de normas infraconstitucionais, evitando-se a proliferação de diferentes decisões sobre um mesmo assunto, o que importaria em manifesta instabilidade judicial.

No Recurso Especial qualquer consideração relativa à matéria fática deve ser abstraída, limitando-se o recorrente a debater matéria jurídica. A exposição da matéria fática serve para ilustrar a peça processual, quando muito para demonstrar a origem do descumprimento da norma infraconstitucional argüida pelo recorrente como fundamento da sua irresignação. Apenas para ilustrar a sustentação feita, no sentido de ser inadmissível a interposição do recurso arrimado simplesmente na alegação de questões fáticas. Nesse sentido, trago à baila decisão do STJ sobre o themas debandi:

“RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONSIDERAR ELEMENTOS DE FATO DIVERSOS DAQUELE EM QUE SE ASSENTOU O ACÓRDÃO RECORRIDO. Destina-se o recurso a velar pela exata aplicação do direito aos fatos que as instâncias ordinárias soberanamente examinaram” (STJ – 3ª Turma, Ag.3742 – RJ- Ag.Rg, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 04.09.1990,DJU 09.10.1990, p.10.895).

Como dito anteriormente, a matéria probatória não é analisada no Recurso Especial e, consequentemente, seu reexame não enseja recurso especial, por força da Súmula 07 do STJ:

“07 – A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”

Outro ponto importante se destacar, é que por força da redação da alínea III do art. 105 da CF, qual dispõe que o Recurso Especial apenas pode ser interposto contra decisões proferidas por Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, é pacífico o entendimento de que não cabe recurso especial contra decisões proferidas pelos Colégios Recursais de Juizados Especiais. Isto porque, ditos colégios, segundo a doutrina, não se qualificam como tribunais, desautorizando-se por essa razão a utilização do Recurso Especial no âmbito dos Juizados Especiais.

“art. 105 – Compete ao Superior Tribunal de Justiça:


III – Julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios,...”

Neste caso, há quem defenda (grande parte da doutrina) que, ocorrendo qualquer das hipóteses motivadoras de interposição do Recurso Especial o remédio adequado seria a impetração do Mandado de Segurança.

Todavia, a meu ver, o writ, sendo ação constitucional perfeitamente delineada, não deve ser admitido como substitutivo nem de ação judicial, nem de recurso processualmente previsto. Não há previsão legal para sua admissibilidade. Ademais, deve-se observar ainda a súmula 268 do STF que veda expressamente a impetração de mandado de segurança contra decisão transitada em julgado.

De qualquer forma, ainda que admitida a impetração do Mandado de Segurança, esse não seria analisado pelo STJ tal qual o Recurso Especial e sim pelo próprio Colégio Recursal do Juizado Especial, conforme jurisprudência predominante.

Quando o recorrente ingressa com recurso especial tendo como base a infração ao dispositivo de lei federal, deve indicar, de forma numérica, qual teria sido a norma legal violada. Tal indicação deve ser de “forma direta e frontal e não oblíqua”(STJ AgRg 82517). Por lei federal, entende-se a lei editada para viger em todo o território nacional, regulamentos e decretos, excluindo-se os demais tipos normativos não incluídos neste rol.


Já a hipótese constante na alínea b do art 105 da CF, inciso III, geralmente ocorre quando há competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre determinada matéria, neste caso o pedido deve ser de afastamento da lei local, dando-se preferência pela aplicação de lei federal.

Por fim, no caso de interposição por divergência jurisprudencial, hipótese da alínea c do inciso III do art.105 da CF, deve a parte demonstrar que a decisão proferida no seu processo diverge de outras decisões tomadas sobre a mesma matéria por outros Tribunais da federação, transcrevendo o acórdão paradigma e a indicação da fonte da qual foi este extraído, sendo esta fonte oficial, autorizada ou credenciada, pedindo portanto, a pacificação da matéria nos termos da decisão paradigma.

Na prática, embora a confecção do recurso especial seja, a meu ver, muito simples, vez que abstraída a matéria fática/probatória, seu conhecimento e julgamento pelo STJ é algo que encontra certa dificuldade. Isso porque, ao interpô-lo é preciso que o Tribunal de Justiça prolator do acórdão recorrido admita a subida do recurso ao STJ e este por sua vez, admita o seguimento do mesmo. À minha impressão, existe certa disposição do TJ recorrido em negar a subida dos Recursos Especiais, bem como do STJ em negar o seguimento. Há uma estatística não confirmada de que a cada dez Recursos interpostos apenas um tem seguimento e é finalmente julgado pelo STJ.

Dentre as várias súmulas usadas nas decisões acima referidas para inadmissibilidade dos recursos extremos, algumas merecem destaque pela sua aplicabilidade no dia-a-dia forense, cuja aplicabilidade se dá tanto para o Recurso Especial quanto para o Recurso Extraordinário:

- Súmula 282 do STF: qual exige que o recorrente suscite, em sua irresignação, matéria antes argüida em outro recurso processual, e decidida pela instância ordinária;

- Súmula 279 do STF: impede que a parte suscite em recurso especial e/ou em recurso extraordinário questões de fato, atinentes à valoração da prova produzida, indicando, por exclusão, que a matéria a ser debatida nos recursos extremos deve ser matéria de direito; ( no caso do recurso especial se usa também a súmula 07 do STJ)

- Súmula 281 do STF: impõe à parte o dever de esgotar à instância ordinária, antes do ingresso dos recursos extremos, utilizando-se de todas as espécies recursais cabíveis para a impugnação da decisão recorrida (geralmente embargos de declaração e embargos infringentes);

-Súmula 13 do STJ: aplicável especificamente ao recurso especial interposto com base na alínea c do inciso III do art. 105 da CF, exige que o recorrente, para demonstrar a divergência jurisprudencial sobre determinada matéria, colete decisões originárias de outros Tribunais do país, não se admitindo a coleta de julgados vindos do mesmo Tribunal que prolatou a decisão recorrida.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Assim como o Recurso Especial, o Recurso Extraordinário apresenta âmbito de interposição limitado. Ele presta-se exclusivamente à uniformização de matéria constitucional. É dirigido ao STF, que atua como guardião da Constituição Federal.

Dessa forma, também não admite este recurso a revisão de matéria fática. O Excelso Pretório preocupa-se, exclusivamente com a manutenção da higidez dos dispositivos previstos na Carta Magna, prolatando “decisões-modelo” sobre os temas constitucionais para servir de orientação aos Tribunais da federação.

É cabível nas seguintes hipóteses: (art. 102, inciso III da CF)

a) Contrariar dispositivo da Constituição Federal;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida a lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição.


Diferentemente do Recurso Especial, o Recurso Extraordinário é cabível no âmbito dos Juizados Especiais. Isso porque combate decisão originária de órgão judicial que não necessita ter status de Tribunal, por força da redação da alínea III do art. 102 da CF:

“art. 102 – Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:


III – Julgar mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância,...”

Fato curioso, é que o Recurso Extraordinário pode também ser aforado diretamente contra decisão de Juiz de 1ª instância, desde que tal decisão não esteja sujeita a um recurso ordinário. Nesse sentido:

“Independentemente de a decisão ter, ou não, sido proferida por tribunal, cabendo, portanto, recurso extraordinário de decisão de Juízo de 1º grau, nas causas de alçada, desde que a decisão não esteja sujeita a nenhum recurso ordinário”(RE 140362-4, STF).

Sempre que aforado o recurso extraordinário interposto com fundamento na alínea a é necessário que se faça menção do dispositivo constitucional violado, de forma expressa e direta, confrontando a norma constitucional com a situação específica do processo. Nesse sentido:

“Alegação de ofensa indireta à Constituição não dá margem ao cabimento do recurso extraordinário” (STF – AgRg 210550-7 MG)

Todavia, há casos em que os dispositivos da Constituição estão dispostos de forma genérica, tais como diversos incisos do art.5º. Nestes casos, em que inexiste preceitos constitucionais específicos capazes de abraçar todas as questões que ocorrem no dia-a-dia forense, mister demonstrar a similitude com a questão discutida na ação judicial.

Enfim, espero que, com esta breve exposição sobre os recursos extremos, possa o leitor entender a utilização de tais recursos e perceber a importância dos mesmos para a segurança jurídica e para o desenvolvimento da Justiça no Estado Democrático de Direito.

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