quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Justiça Gratuita e o artigo 5º LXXIV da CF/88

É comum no cotidiano forense o profissional se deparar com impugnações aos pedidos de Justiça Gratuita onde fundamenta-se que o artigo 5 LXXIV da Carta Magna de 1988 não recepcionou a Lei 1.060 de 1950.


Contudo, o Instituto que trata o artigo 5º LXXIV da CF/88, “assistência jurídica integral e gratuita”, não se confunde com a Justiça Gratuita tratada pela Lei 1.060 de 1950.

E tal distinção é clara na lição do Professor Ernesto Lippmann:

“A assistência judiciária não se confunde com justiça gratuita. A primeira é fornecida pelo Estado, que possibilita ao necessitado o acesso aos serviços profissionais do advogado e dos demais auxiliares da justiça, inclusive os peritos, seja mediante a defensoria pública ou da designação de um profissional liberal pelo Juiz. Quanto à justiça gratuita, consiste na isenção de todas as despesas inerentes à demanda, e é instituto de direito processual”.


E conclui:

“Ambas são essenciais para que os menos favorecidos tenham acesso à Justiça, pois ainda que o advogado que se abstenha de cobrar honorários ao trabalhar para os mais pobres, faltam a estes condições para arcar com outros gastos inerentes à demanda, como custas, perícias, etc. Assim, freqüentemente, os acórdãos, ao tratar da justiça gratuita, ressaltam seu caráter de Direito Constitucional” (Os Direitos Fundamentais da Constituição de 1988, p. 379)

Não é outro o entendimento do não menos ilustre José Cretella Junior:

“denomina-se assistência judiciária o auxílio que o Estado oferece – agora obrigatoriamente – ao que se encontra em situação de miserabilidade, dispensando-o das despesas e providenciando-lhe defensor, em juízo. A lei de organização judiciária determina qual o Juiz competente para a assistência judiciária; para deferir ou indeferir o benefício da justiça gratuita, competente é o próprio Juiz da causa. A assistência judiciária abrange todos os atos que concorram, de qualquer modo, para o conhecimento da justiça – certidões de tabeliães, por exemplo -, ao passo que o benefício da justiça gratuita é circunscrito aos processos, incluída a preparação da prova e as cautelares. O requerente, antes de entrar com a ação, em juízo, deverá solicitar a assistência judiciária” (Comentários à Constituição, citado por Anselmo Prieto Alvarez in RT 778/49).

Nessa esteira, também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, veja-se o julgamento do ínclito Ministro Carlos Veloso:


"A garantia do artigo 5.º, LXXIV, assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, não revogou a de assistência judiciária gratuita da Lei n.º 1060, de 1950, aos necessitados, certo que, para obtenção desta, basta declaração, feita pelo próprio interessado, de que sua situação econômica não permite vir a Juízo sem prejuízo da sua manutenção ou de sua família. Essa norma infraconstitucional põe-se, ademais , dentro do espírito da Constituição, que deseja que seja facilitado o acesso de todos à Justiça" (STJ -2.ª T.; Rec.Extr. n.º205.029-6-RS; Rel.Min.Carlos Velloso; j.26.11.1996)

Mesmo entendimento tem o Egrégio. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, em julgado histórico (que, diga-se de passagem, é citado por todos os doutrinadores), no qual foi relator o então Desembargador, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Cézar Peluso, assim asseverou:

“A condição de pobreza, enquanto requisito da concessão do benefício da justiça gratuita, adscrevendo-se à impossibilidade de custeio do processo, sem prejuízo próprio ou da família (art. 4°, caput, da Lei federal 1.060 de 5.2.50), não sofre com a circunstância eventual de a parte ter bens, móveis ou imóveis, se esses nada lhe rendem, ou se rendem não lhe evitaria aquele prejuízo. A mesma condição é, poroutro lado, objeto de presunção legal relativa, que, oriunda do mero asserto da parte cede apenas a prova em contrário (art. 4°, § 1°), produzida pelo impugnante (art.7°) ou vinda aos autos doutro modo (art. 8°)”

Ao final, com demonstração de sensibilidade social extremamente aguçada e, clareza do papel que compete ao judiciário na interpretação e aplicação das leis aos casos concretos, arrematou nos seguintes termos:

“Ora, à luz desses critérios, que são os da lei, não podia o Juízo, em interpretação inconciliável com o caráter generoso das garantias constitucionais do acesso à Jurisdição e da assistência judiciária (art. 5°, XXXV e LXXIV) desconsiderar a presunção júris tantum, sem prova, que teria de ser cabal, da suficiência de recursos” (TJSP - AI 162.627-1/8 - 2a. Câm. - j. 04.02.92 - RT 678/88).


Dessa forma, ao meu ver, não merece prosperar o entendimento dos nobres colegas quais afirmam que a Constituição de 1988 não recepcionou a Lei 1.060/50.


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